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  1. Niza Diniz – Patrono: Aluisio de Azevedo

    “Pois quem tem ouro, tem tudo, o ouro compra o que o ouro valer(...) Eu tinha que ter o ouro para ter poder.” Maria Moura.


    A genial escritora Rachel de Queiroz, com o romance épico, Memorial de Maria Moura, volta ao século XIX para abordar, mais uma vez, a questão feminina no Brasil, particularmente no Nordeste.
    Na primeira parte do livro, a saga ocorre no sertão, num solo coberto de caatingas. É uma história escrita com sangue. A protagonista obstinada, assassina o padastro que a assediava; para isso seduz um cabra, prometendo-lhe casamento, mandando assassiná-lo, como queima de arquivo. Como herdeiros das terras há três primos: Marinalva, sua amiga, que se casa com um circense, Irineu e Tonho, seus antagonistas, porque eles disputam o sítio do Limoeiro com ela. Frente à injustiça dos que queriam tomar sua terra, Maria Moura contrata capanga para a sua defesa. Incendeia a casa do Limoeiro e foge com um bando de homens; o gesto de incendiar o sítio expressa a idéia de rompimento com uma vida privada e doméstica da personagem, que parte para uma vida livre das amarras em que se encontrava, tal como as sinhazinhas de seu tempo que viviam à espera de um casamento, passando do domínio do pai ao marido.
    Naquela época, homens e mulheres desempenhavam papeis distintos. Ao homem, pleno poder; à mulher, o papel restrito de procriar. Á mulher, não era dado o direito do prazer, do erotismo. Maria Moura resolve contrariar os costumes da época. Repudia o modelo patriarcal e assume o papel de força e poder.
    Na segunda parte do livro, Maria Moura, com seu grupo, permanece no sertão e não admite ser governada por homem. Duarte, irmão bastardo de seus primos, torna-se seu amante, quando ela deseja o prazer sexual. Torna-se famosa pela bravura e pela coragem. Dissimulada, estrategista, ao convidar um homem para a cama, substituía a surrada veste masculina por macia e cheirosa camisola, depois de demorado banho. O poder é seu objetivo.
    Na terceira parte do livro ela chega à Lagoa do Socorro onde encontra um casal de escravos fugidos. Faz dali um reduto improvisado. Com o passar do tempo, Moura se torna uma mulher cada vez mais dura, sendo forte o suficiente para valer a sua vontade, apesar da sociedade machista em que vivia. Passa a viver num ambiente hostil e tem que se mostrar forte para dominar o fraco, matar para não morrer.
    Na quarta parte do livro, com o que arrecadou, o bando sai em busca de um lugar seguro para construir o império de Maria Moura. Na Serra dos Padres, ergue a Casa-Forte, uma mistura de casa, cadeia e banco, verdadeira fortaleza. É nesse lugar seguro que se concretiza o ápice de um poder soberano para a época e para a região. Nessa casa, Maria Moura dá guarida aos fora-da-lei, guarda seus tesouros, terras bastantes para o gado seleto e os cavalos de raça; grande fartura como jamais imaginara: coalhada, rapadura, mandioca, carne de sol, farinha de toda qualidade, além da jeribita. Na construção da Casa-Forte havia um compartimento mantido em segredo: o “cúbico”, que se destinava a esconder fugitivos caros, sob a sua tutela O ex-padre José-Maria, que recebeu o nome de Beato Romano, se junta ao bando, fugitivo por um crime que cometera, por matar o marido da sua amante, Isabel; o padre havia engravidado a mulher e ao descobrir a traição, o marido mata a esposa e o bebê de seis meses de gestação. O sacerdote, diante de tamanha crueldade, quebra-lhe um banco na cabeça, matando-o. Este adultério da mulher casada e o crime do padre tiveram tal repercussão, que a cabeça do sacerdote é colocada a prêmio e ele busca refúgio na Casa-Forte de Maria Moura. O adultério feminino no Nordeste era imperdoável, teria que ser lavado com sangue.
    Em seus momentos de divagação, Moura sentia a falta de um macho a quem ela chamasse de seu, mas não admite, em hipótese alguma, ser governada por um homem.
    Quando tudo parece correr bem, surge mais um homiziado na Casa-Forte: Cirino, um rapaz louro, bonito e atraente, conquistador, filho de um fazendeiro próximo, por quem Maria cai de amores: ”Ah, bons tempos. Antes que aquele Satanás de cabelo louro tivesse chegado pra me atentar.”.
    ‘Quando Moura percebe seus sentimentos, torna-se confusa, pois apesar de amá-lo loucamente, teria que matá-lo, segundo as leis do cangaço, pois ele entregara um fugitivo sob a sua tutela. Ela teria que lavar sua honra. ”Como acabar com Cirino sem acabar também comigo?”Mas Maria Moura dizia para si mesma: ”Você é a rainha desta terra aqui, tem Casa-Forte e senhoria, riqueza...“E você quer agora se acabar também por paixão pelo meninote de má fé?”Com o coração partido, manda executar o amor da sua vida. Cirino, antes de ser assassinado com uma facada certeira no coração, foi submetido à prisão por longos dias no “cubico” da Casa-Forte, onde se exercitavam sexualmente, com ódio e amor. “Foi um amor desesperado, furioso, que doía e machucava; amor de dois inimigos se mordendo e se ferindo, como se quisessem que aquilo acabasse em morte.” Muito abalada após a morte do seu amado, Moura parte com o seu bando para uma das mais sangrentas batalhas que já enfrentara, mesmo sendo alertada de que não deveria ir. Sabia que o destino seria a morte: ela já estava morta por dentro.
    A autora deixa em suspense o final do romance, mas tudo leva a crer que foi uma batalha suicida, contando com todos do bando, inclusive com o Beato Romano, que se ofereceu para confortar os possíveis moribundos. Antes de partir para esse último confronto, Maria Moura deixa o testamento de todos os seus bens para o afilhado Xandô, filho de sua prima, Marinalva.
    Quando Maria Moura se apaixona por Cirino, há uma oscilação entre o seu lado forte, o modelo masculino a que se propôs seguir, que deu certo, sendo vitoriosa nas batalhas. No entanto, no plano afetivo, Maria Moura chora e lamenta a morte do amado.
    Moura deixa às mulheres um testamento, rompendo com qualquer continuísmo de submissão destinado a elas. A protagonista imprimiu com bravura este memorial dedicado a todas aquelas que queiram ser senhoras de seus destinos.



    Dados Bibliográficos: QUEIROZ, Rachel de. Memorial de Maria Moura. Edição 15. Editora Jose Olympio, 2004.

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