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  1. Uma Sertaneja Chamada Rachel

    quinta-feira, 18 de agosto de 2011

    Maria Cinira Santos Netto – Patrono: Euclides da Cunha



    “Os que têm razão para chorar diante de seus sofrimentos são os que não choram nunca!”

    O Ceará é conhecido indefinidamente pelo brilho do sol que ilumina vales, praias, serras e caatingas. Banhando com seu brilho o nordeste. O ar envolve-se de sons, a jandaia espalha seu canto e sua alegria na saudação ao astro rei que surge no horizonte do sertão.
    Os primeiros habitantes cearenses foram os índios Jês e Tupis avistados por navegadores espanhóis antes de Pedro Álvares Cabral aportar no mar da Bahia.A fusão dos índios com libaneses, sírios e mais tarde franceses formou a maioria da população cearense.
    No inicio do século XIX a província passou por vários movimentos rebeldes de cunho republicano, dentre eles, o que deu origem à Republica do Crato, liderados pela família dos “Alencar”, berço do escritor José Martiniano de Alencar.
    O Ceará sempre esteve na vanguarda dos acontecimentos nacionais. Antes da assinatura da Lei Áurea em 1889, já havia abolido a escravidão, no final desse século. Viveu num distrito do Crato um religioso com fama de milagreiro, que teve sua ordenação suspensa por agir em discordância com os princípios teológicos da Igreja Católica. Era muito amado pelos nordestinos e alguns lhe atribuem milagres, não comprovados pela Igreja . Evidenciava grande habilidade com cangaceiros e coronéis, evitando conflitos sangrentos tornando-se por isso, um líder político.
    No dia 17 de novembro de 1910, nasceu em Fortaleza Maria Rachel de Moura Queiroz. Filha de Clotilde Franklin e Dr. Daniel Queiroz, magistrado e fazendeiro, originário de Quixadá, cidade localizada na região das caatingas, amada pela pequena Rachel como se fosse o seu berço natal. Era herdeira pelo lado materno da família Alencar, de convicções republicanas. Sua origem pelo lado paterno provém da família Queiroz, clã também de convicções republicanas.
    Em 1915, a família de Rachel, embarcou para o Rio de Janeiro, fugindo de grande seca logo depois, transferiu-se para Belém do Pará, onde viveram por dois anos, retornando novamente à terra natal, lá nos sertões de Quixadá.
    Nessa época, Dr. Daniel deixa a magistratura e se dedica à sua propriedade rural: Fazenda do Junco, rebatizada por Rachel por “Fazenda não me deixes”. Era lá, em um bosque, dentro da propriedade, que Rachel buscava inspiração para seus folguedos e seus futuros relatos.
    Alfabetizada pelos pais, só com onze anos de idade conheceu a escola. Escola religiosa e particular, educação rígida, voltada para as letras e as artes, fato que lhe deu subsídio para denúncias sociais em seus romances. Relatava o que via e vivia, colocando no papel todo sentimento de sua alma sertaneja.
    No Rio, Rachel não se sentia feliz vivendo num apartamento, ressentia-se da ausência do sol de Quixadá que iluminava algum ponto do Nordeste.
    Aos vinte anos, com sérios problemas de saúde, suspeita de tuberculose foi obrigada a um repouso solitário e para se livrar de crises depressivas nas modorrentas tardes vazias da fazenda, começou a redigir seu primeiro livro “O Quinze” no qual relata o sofrimento e a vida dos que vivem no sertão assolado pela seca. Essa vivência que presenciou ainda menina fê-la acreditar mais tarde, que os que têm razão para chorar diante de seu sofrimento, são os que não choram nunca.
    Para publicar seu primeiro livro, contou com a ajuda financeira do pai. A obra foi lançada e alcançou grande sucesso nos meios intelectuais do Ceará. Surpresa, com a aceitação da obra, envia um dos exemplares para apreciação dos escritores: Augusto Frederico Schimth e Mário de Andrade que ficam encantados com a narrativa da jovem.Elogiada pelo feito torna-se, uma personalidade literária.
    Nascia assim uma escritora regionalista da segunda fase do Modernismo Brasileiro de estilo sóbrio, simples e elegante; como os outros escritores nordestinos dessa época seus romances são documentários denunciantes da situação social do meio em que viviam os nordestinos assolados,pela seca e nos romances e crônicas urbanas a marginalização dos que viviam na miséria.
    Aos vinte e um anos, recebeu no Rio de Janeiro, o premio da Fundação Graça Aranha. É por esse tempo, que se torna uma militante do Partido comunista, introduzindo-o no Ceará. Fichada pela polícia política como agitadora, passou a ser vigiada. Conclui seu segundo romance, João Miguel, no qual faz denúncias sociais e para sua surpresa, toma conhecimento de que o livro só será publicado após sofrer censura dos intelectuais comunistas. Irritada, rompe com o partido sem, entretanto, perder suas convicções socialistas.
    Em 1932, contrai núpcias com José Auto da Cruz Oliveira, união que durou pouco tempo. Após separar-se, Rachel muda-se para São Paulo, período em que os governantes suprimiram a liberdade de expressão e o povo brasileiro vivia inseguro e infeliz, asfixiada, porque havia perdido a noção de ser livre..
    Em Salvador, seus livros são queimados em praça pública pela polícia política, por serem considerados subversivos.
    Por esse tempo, aconteceu sua separação e Rachel passou a viver maritalmente com o médico Oyama de Macedo. Torna-se duplamente discriminada: pela separação do marido e pela vida de amásia que vive ao lado de Oyama, situação inaceitável pela sociedade puritana e repressiva da época.
    Lidou com a discriminação, enfrentou sua tristeza e saiu do episódio mais madura, continuando seu trabalho de esculpir idéias e desenhar pensamentos. Por ser somente uma normalista, provou que a genialidade não vem somente da carga genética nem é produzida só pela cultura acadêmica, mas é construída através da experiência em meio às dificuldades e aos desafios da vida.
    Durante o período em que viveu, embora discriminada, escreveu duas obras consideradas excelentes pela crítica: “Três Marias” e “Caminho das Pedras.” Logo depois, escreveu uma peça teatral “Lampião” encenado no Teatro Municipal do Rio de Janeiro. Em 1957 recebeu da Academia Brasileira de Letras o prêmio Machado de Assis. Dois anos depois, voltou a escrever uma nova peça para o teatro:” Maria do Egito.”
    Em 1960, quando o homem da vassoura, Jânio Quadros tornou-se presidente do Brasil, convidou-a para o cargo de Ministra da Educação. Recusou, porque apesar de ser escritora e falar com fluência dois idiomas, tinha pouco conhecimento pedagógico para lidar com a pasta da educação. Atitude inédita e louvável.
    Em 1969 estreou na literatura infanto-juvenil com o livro: “O menino mágico”. Logo após, editou Dôra, Doralina. Rachel sempre esteve à frente de seu tempo como seus antepassados. O tempo sempre comandou seu destino; o seu mundo caminha à frente de seu tempo. Assim foi a primeira mulher a vestir o fardão da ABL. Seus livros foram publicados em várias partes do mundo. A mocinha que um dia deixou o Ceará, afastando-se da seca devastadora, com sua pena venceu a discriminação social e conquistou o mundo.
    Em 1992, seu livro, “Memorial de Maria Moura” é editado e se transformou em mini-série da TV Globo.
    Em 1995 publicou seu livro de memórias “Tantos anos”.
    Rachel tinha alma sertaneja e era apegada à terra de onde podia apreciar o céu, o sol e as estrelas. Considerava-se uma pessoa telúrica. Era comandante de sua alma e senhora do seu destino. Por ser antirreligiosa, em algumas ocasiões sentia-se triste; tristeza que nascia da falta do ombro amigo de Deus, nas horas de solidão e amargura. Acreditava-se uma pessoa infeliz por não ter crença religiosa, a primeira das virtudes teológicas.
    Em quatro de novembro de 2003 veio a falecer. Nesse dia, viu o nascente pela última vez e nele, um sol magnífico, iluminando o caminho que seria percorrido por ela, em busca de uma estrela brilhante, que a guiaria em direção à felicidade eterna. O astro-rei exilou-se do Ceará deixando ir com Rachel parte de seu brilho.


    Bibliografia:
    TUFANO, Douglas. Estudo da Língua e Literatura.
    RODRIGUES, A. Nedina, CASTRO, Dácio A., TEIXEIRA, Ivan P. Antologia da Literatura Brasileira – Vol. II.
    COELHO, Nely Novaes. O ensino da Literatura.
    FERREIRA, Delson Gonçalves. Literatura. Pág. 353.
    CAMINHA, Edmilson. Rachel de Queiroz: a Senhora do Não me Deixes. Academia Brasileira de Letras. Rio de Janeiro. 2010.

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