Rss Feed
  1. CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE

    sexta-feira, 11 de novembro de 2011

    (Itabira: 31/10/1902 – Rio de Janeiro: 17/08/1987)


    Maristela Impellizieri Ribeiro Aubin

    Quem teria escrito: “Todo ser humano é um estranho ímpar”
    sob os pseudônimos Antônio Crispim ou Barba Azul?
    Quem ousou ditar “O amor é grande e cabe
    no breve espaço de beijar?”
    E de si alinhava: “a incerteza de tudo na certeza de nada...”
    Por isso “sou triste, orgulhoso: de ferro”.
    CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE.
    Drumm-Ond: Alta Onda.
    Vivo. Imortal. Florescente. Transcendente. Sempre, como sempre,
    patrimônio cultural.
    Mineiro exercício de ação humanitária.
    “A cavalo de galope”,
    é preciso seguir Drummond,
    para encontrar o fantástico mundo das letras,
    sem fronteiras, ditado
    pela beleza das formas e
    clareza de sentimentos.
    Eclético e versátil, ele escolhia.
    Podia preferir.
    E assim fazendo, surgia de dentro de si
    O Iluminado,
    Senhor do Vocábulo
    Erudito, Popular, Irreverente, Ardiloso,
    Sutil, Corajoso, Bizarro, Singular,
    construindo, em prosa e verso,
    monumentos literários,
    sem ter “A Paixão Medida”.
    Carismático, a “viajar entre o já-foi e o não-será”.
    Fascinante, por “a ausência é um estar em mim”.
    Racional (ou louco de si mesmo), ao declarar:
    “Eu te amo porque não amo bastante
    Ou demais a mim...”
    É preciso aprender de Drummond
    “Duas riquezas: Minas e o vocábulo.
    Ir de uma a outra, recolhendo
    o fubá, o ferro, o substantivo, o som”.
    É preciso apreender de Drummond:
    “Canção eterna solta aos ares... por sobre as Ondas Altas dos Vocábulos”.

  2. Cerimonial de Posse dos Novos Acadêmicos

    quinta-feira, 3 de novembro de 2011





























  3. Cumprimentos do veterano Milton Mariano aos novos acadêmicos empossados

    Desejamos, nesta oportunidade, saudar os novos acadêmicos eleitos, que passarão a integrar esta Casa, e esperamos que se sintam orgulhosos, pois, numa população de quase 300 mil pessoas que aqui residem, foram escolhidos por suas capacidades intelectuais, e também como líderes de nossa sociedade, como cidadãos respeitáveis que são.
    A nossa Academia está se tornando um marco nesta cidade e alhures, graças à dinâmica atuação da nossa batalhadora presidente e de sua diretoria, já se tornando uma referência nos meios intelectuais da nossa região.
    As lutas enfrentadas pelos seus fundadores merecem todo o nosso aplauso e admiração, pois não tinham nem local para se reunirem, e ficavam ora aqui, ora ali, à mercê da boa vontade de alguns que lhes cediam o espaço para reuniões.
    Atualmente temos a nossa sede própria, conquistada em parceria com a Prefeitura Municipal. Participamos ativamente nesta empreitada que hoje é realidade, e novas conquistas estão surgindo que certamente darão à nossa Casa o valor que ela merece.
    Conclamamos a todos os novos acadêmicos, ora empossados, para que tragam consigo novas idéias, e novos conteúdos culturais, que darão para os escritores locais a oportunidade de se projetarem culturalmente no cenário nacional.
    Vamos prestigiar os nossos autores que já mostraram trabalho, e que precisam ser mais difundidos e valorizados.
    Esperamos que não queiram ser apenas novos imortais da Academia Valadarense de Letras, pois só conseguirão de fato a imortalidade se deixarem obras que se perpetuarão por todas as gerações vindouras.

    Pertencer à Academia
    É uma honra e glória,
    É ter o seu nome um dia
    Nos anais de nossa história.


    Sejam todos bem-vindos a esta Casa de Cultura, que, com a firme direção ora seguida, ainda atingirá um lugar de destaque em nosso país.

    Muito obrigado!

  4. Cerimonial de Posse dos Novos Acadêmicos

    terça-feira, 1 de novembro de 2011




























































  5. O importante é que emoções eu vivi – Posse na AVL

    segunda-feira, 31 de outubro de 2011

    Niza Diniz
    Patrono: Aluízio Azevedo


    “Quando eu estou aqui eu vivo esse momento lindo. Olhando pra você e as mesmas emoções sentindo...” Roberto Carlos
    As palavras acima traduzem o sentimento que envolveu as pessoas presentes no Salão Nobre da Academia Valadarense de Letras por ocasião da posse dos novos cinco acadêmicos, no dia 19 de outubro.
    Com um cerimonial elegante elaborado e apresentado pela Secretária da Instituição Ruth Soares, o clima foi de alegria e diríamos de encantamento.
    O início deu-se com a declamação da poesia “Valadares” pelo aluno Lucas Gomes Silveira.
    Os empossados trouxeram inovações em suas apresentações. Crisolino Ferreira ao falar sobre seu patrono, Jorge Amado, ressaltou sua militância política e a importância de suas obras nas literaturas brasileira e universal. Esclareceu ainda, que o autor apesar de ser comunista, manifesta em suas obras profundo misticismo.
    Maria Luiza Camargo, com uma apresentação poética sobre seu patrono enfatizou a coincidência das datas do seu nascimento e de seu patrono Rui Barbosa; Lembrou a formação cultural de Rui Barbosa, sua excepcional inteligência e o seu trabalho como político no início da República Velha.
    Aluízio Franklin, além da apresentação de seu patrono Machado de Assis, expressou a admiração pelo trabalho social que é desenvolvido pela AVL junto à comunidade, principalmente nas escolas e nos presídios desta cidade.
    Maristela Aubin inovou ao apresentar seu patrono em versos; deleitou-nos também cantando o Hino de Valadares.
    José Altino Machado conheceu pessoalmente Rachel de Queiroz e emocionado disse que era a autora preferida de sua mãe Dona Aurita Machado; por isso tem o privilegio de ocupar a cadeira dessa escritora.
    O acadêmico veterano Álvaro César em seu discurso de saudação aos novos acadêmicos, convoca-os a se espelharem nos personagens da Távola Redonda do Rei Arthur, quando a união e a lealdade são bases sólidas para o engrandecimento de uma sociedade.
    A nossa presidente Maria Cinira, discorreu com propriedade sobre as origens das Academias, a necessidade de integração da AVL com a Cultura da cidade, não somente nos salões elegantes; mas principalmente junto àqueles que precisam de nossa ajuda. Expressou que é imprescindível abrigar neste colegiado não somente literatos, mas outras pessoas de todo o conhecimento humano. Afirmou que: “A Academia somos nós. Ela é a vestal, guardiã do fogo sagrado da Cultura e do Saber.”.
    Não poderíamos deixar de destacar a presença emocionada da acadêmica, professora Antonia Izanira de Carvalho diante da beleza da festa de uma Instituição que ela viu nascer.
    Um dos momentos mais solenes e de grande responsabilidade foi o instante em que os empossados prestaram juramento à bandeira da AVL. Um comprometimento com a Instituição que os recebia.
    Nessa solenidade, contamos com a presença de autoridades culturais da cidade e da honrosa presença da prefeita municipal sra. Eliza Costa.
    A noite de 19 de outubro jamais sairá da memória dos acadêmicos. O clímax aconteceu ao final, quando os novos acadêmicos foram aclamados pelos presentes ao som da música “Emoções”, debaixo de uma chuva de prata. Realmente, os acontecimentos se eternizam quando passam pelo coração.


  6. Até o século V os mosteiros tinham, além da incumbência religiosa a função de serem guardiões do saber: viver e transmitir cultura. Junto aos textos sagrados difundiam-se os romances épicos gregos, traduzidos para o latim pelos monges. A literatura clássica grega de Ésquilo, Sófocles, Eurípedes, as comédias de Aristófanes com seus enredos cheios de aventuras, os alicerces da filosofia, construídos por Sócrates e Platão, eram muito apreciados como literatura profana.
    A partir dos relatos heróicos das primeiras cruzadas, os temas passaram a ser adaptados, dando origem à literatura que contava os feitos maravilhosos dos cavaleiros cristãos para a população do mundo então conhecido. A partir dessa data, os escritores elegem o que consideravam significativo no momento histórico e cultural que vivenciavam, fornecendo dados para a sociedade.
    Textos de livros conseguem integrar a estrutura intelectual dos grupos sociais; porque são considerados símbolos de liberdade, conseguida através de conquistas culturais; por isso, o escritor deve colocar-se a serviço da coletividade, semeando palavras, sugerindo revelações memorialistas, estreitando laços fraternos entre os que compõem a sociedade coletiva. Através da literatura, é possível levar sonhos e esperanças para a sociedade, e ela expressará seus sentimentos ao mundo.
    A literatura é eterna e não tem fronteiras. Com ela, somos capazes de organizar nosso conhecimento, saber o que se passou na antiguidade, absorver o conhecimento grego, as leis romanas, o código de Hamurabi, o Direito escrito, as noções de medicina dos sábios orientais.
    Homens e mulheres de letras, devem levar cultura às cidades onde existem pessoas que nunca foram ao cinema, ao teatro, nunca ouviram um concerto, nunca recitaram nem ouviram um poema, não sabem o que é uma ópera. Estas cidades existem e não são burgos perdidos no sertão do nordeste ou na Amazônia. São áreas do mundo onde assistimos a história mover-se, sacudindo séculos de tradição, de costumes, de vida e de inércia. Mas aí, nestas cidades, devem existir algumas poucas pessoas que lêem. O livro tem esta capacidade de chegar aos rincões mais distantes e fazer pessoas felizes.
    Os que escrevem inventaram a ficção para poder viver as muitas vidas que gostariam de ter. Sem a ficção, o homem seria menos consciente da importância da liberdade. A leitura é a coisa mais importante que acontece ao homem, ela é capaz de nos alegrar, causar sofrimento, surpreender e abrir horizontes além de unir as pessoas, independente de fronteiras sociais, nacionais, costumes e questões religiosas.
    Prezados confrades, acadêmicos que conosco se abrigarão sobre o pavilhão azul, dessa casa de cultura, com prazer e honra eu os abraço e parabenizo pela conquista. Vocês foram os escolhidos entre um grupo, pelo seu talento literário e mérito pessoal. São pessoas de expressão dentro da comunidade e pelo seu caminhar, doravante devem levar o histórico desta casa ao local onde exercem liderança.
    Vamos conviver por muitos anos neste colegiado, tendo a ética como base, e elaborando um convívio sincero e leal. A lealdade é a essência das amizades profundas e duradouras.
    Ser acadêmico é uma honra para todos nós, mas só poderemos desfrutá-la através de nosso talento e do nosso trabalho pela cultura.
    A Academia, disse Vivaldi Moreira, Presidente da Academia Mineira de Letras, “é a sombra dos grandes homens” se formos grandes ela também o será.
    Amigos confrades, Bem vindos à Academia Valadarense de Letras! Não somos a Távola Redonda do Rei Artur, mas agiremos como o fossemos. Nossa luta porém, será pela cultura, pela ciência, pela língua e pela liberdade.
    Parabéns!
    Sejam bem vindos!

  7. sexta-feira, 9 de setembro de 2011

    (Publicado na Revista Suindara nº 10 - 2008)


    (Palavras da Presidente Ruth Soares por ocasião de entrega da sede da AVL pelo Sr. Prefeito Municipal, Dr. José Bonifácio Mourão, Gov. Valadares – em 29 de janeiro de 2008)


    Há momentos de festa que são também momentos de gratidão e de lembranças. E esta data: de 29 de janeiro de 2008 ficará para sempre nos anais da Academia Valadarense de Letras.
    Foram muitos anos de um sonho acalentado; sonho que se unindo a outros sonhos se tornou realidade: a sede da Academia Valadarense de Letras que faz parte de um complexo cultural, dividindo espaço com a Biblioteca Municipal Prof. Paulo Zappi.
    No dia 09 de agosto de 1975, sob o signo da Fênix e com a divisa: Renascer para Ser, foi fundada a Academia Valadarense de Letras.
    A idéia brotou do cérebro inquieto e engenhoso do Dr. Talmir Canuto Costa. Seu berço foi a UTEC (Universidade Tecnológica), hoje UNIVALE, grandiosa universidade, acampada às margens das águas cantantes do Rio Doce, à sombra da bela ”Serra Negra” – Ibituruna! Seu orientador foi o professor Oscar Mendes Guimarães, mente privilegiada, de vasto saber humanístico e membro da Academia Mineira de Letras. Para liderar o movimento, dar corpo à AVL que nascia foi escolhida como presidente-fundadora, a professora Antônia Izanira Lopes de Carvalho.
    Foi um trabalho árduo, mas a professora Izanira tinha fôlego para enfrentar as dificuldades. Arregaçou as mangas e iniciou a tarefa. No dia 09 de agosto de 1975, estava fundada a AVL tomando posse 13 membros em uma sessão solene. Era o início da caminhada. A professora Izanira é a fundadora da AVL e o grande esteio da Instituição.
    Em 1977, a AVL foi considerada de utilidade publica pela Lei 2.308 de 17 de agosto.
    Desde então, a academia segue em busca da sua sede. Vem enfrentando percalços de toda a sorte. Muitos vieram e muitos desanimaram e partiram. A travessia é difícil e demanda perseverança, coragem e disponibilidade. Às vezes sacrifício.
    Em 2002, sendo presidente o acadêmico Dilermando Dias Miranda, a AVL aceitou o compromisso de assumir o comando e o acompanhamento dos trabalhos de demolição e construção do complexo cultural que abrigaria a biblioteca municipal Paulo Zappi e a AVL. O convite partiu do então secretário municipal de cultura Sr. Fábio Brasileiro a quem agradecemos nesse momento.
    Em 2003, a presidente Ruth Soares, em solenidade no Teatro Atiaia assinava o protocolo de cooperação técnica celebrada entre a Prefeitura Municipal de Governador Valadares e a AVL – com a presença dos colaboradores para o início das obras: TIM e USIMINAS. O projeto recebeu o nome de “Revitalização Biblioteca Municipal”. Era prefeito o saudoso professor João Domingos Fassarela cuja memória reverenciamos agradecidos.
    A esperança começava novamente a brilhar em cada coração. Hoje recebemos das mãos do Sr. Prefeito Municipal, Dr. José Bonifácio Mourão a primeira parte concluída e lhe agradecemos de publico o empenho para que houvesse esse hoje. Obrigada, Sr. Prefeito. Agradecemos também ao ex secretário de cultura Dr. Marcos Sampaio pelo apoio que nos deu e o esforço para que tudo desse certo. Ainda há muito trabalho pela frente, mas, acreditamos que ainda em 2008 teremos o prazer de inaugurar a sede da Biblioteca Municipal Paulo Zappi. Esse complexo cultural será um marco grandioso para a cultura valadarense.
    Nesse momento, não poderia deixar de mencionar a figura alegre, firme e comprometida com o que faz nosso atual secretário de cultura Sr. Edmílson Soares. Tomou o leme e com firmeza vem conduzindo o barco, vivendo o provérbio: “não deixe para amanha o que pode fazer hoje”. Ele vive o aqui e agora com a intensidade daqueles que sabem o que devem fazer.
    A todos os que nos vêm apoiando, acreditando na cultura, e apostando nela, nossos agradecimentos.
    A AVL vem disposta a lutar e a vencer as dificuldades. Já passou por avanços e recuos em sua caminhada. Mas, acreditando, suportou as intempéries da travessia. E aqui estamos – os acadêmicos unidos, prontos para continuar sob o olhar penetrante da Fênix, símbolo da perseverança – renascendo para ser. Poderíamos dizer como o governador Ademar de Barros; vamos! “Fé em Deus e pé na tábua!”.
    A Academia será sempre fonte de estimulo à cultura e à conservação dos padrões culturais contra a traça das inovações. Cabe a ela o múnus – como disse Rodrigues Crespo – da distribuição de láureas àqueles que mais contribuem e contribuíram para o primado do espírito.
    Todos sabem da importância de uma Academia de Letras. Ela é a Vestal da Cultura. Os que desejam dominar, lutam para desmerecê-la porque ela aponta os caminhos para a liberdade. Dificultam, então suas manifestações e ridicularizam seus arautos. Nós, acadêmicos, estamos conscientes de nossas responsabilidades no campo cultural. Como o deus mitológico Juno, dotado de saber e prudência, a AVL tem dupla face: a qye olha o passado e o reverencia guardando suas tradições para nelas se espelhar-se outra que olha para o futuro, o caminho a percorrer, os anseios a realizar. Estamos prontos para continuar, construindo pontes e ultrapassando obstáculos. Por isso, queremos uma academia atuante para o crescimento intelectual e o desenvolvimento dessa terra.

    Muito Obrigada!

  8. Prece
    Mário Ferreira
    Patrono: Mário de Andrade

    Se eu pudesse
    Escreveria no céu bem azul
    Com letreiros dourados
    Perto do Cruzeiro do Sul
    A seguinte oração:
    Obrigado meu Deus!
    Por tudo que faz por mim
    Pelos pais que me deste
    Pelos irmãos numerosos
    Pela mulher que me veio curar
    Pelos filhos
    Pela paz que reina entre nós
    Pela vida que nos dás
    Pela morte que um dia virá
    Obrigado meu Deus
    Pelos amigos fiéis
    Pelo ar que respiramos
    Pela água que bebemos
    Pela ração com que nos alimentamos
    Por tudo, obrigado Senhor!
    Parece não me faltar mais nada!
    Tenho tudo!
    Mas, ainda peço...
    Queria mais só um pouquinho!
    Um pouquinho mais de inteligência
    Para descobrir uma forma
    De fazer felizes nossos irmãos que sofrem
    Uma formula para tornar felizes os infelizes
    Para sanar a fome dos famintos
    Para fazer todos sentirem o que sinto
    Uma formula para trazer a paz ao mundo.
    Pelos momentos amargos que tive,
    Pelos sonhos, até pelas mentiras!
    Pelas tristezas e as alegrias
    Ilusões e desilusões
    Pelos poemas que escrevi
    Pelas musas que me inspiraram
    Obrigado Senhor! Obrigado por tudo que me deste.
    Neste poema encerro a prosa,
    A nuvem escura chegou
    E o espaço azul acabou.




    E fez-se a Luz
    Solange Ávila

    Sonhos...
    Esperança...
    Desespero...
    Pesadelo...
    Tornavam meus dias!
    Dias sofridos, chorados
    Desencantados!
    Agora
    Vejo a luz,
    A alvorecer!
    Reminiscências
    Vidas vividas
    Lembranças tidas
    Amanhecer!






    Os Pássaros
    Turíbio Coelho
    Patrono: Raimundo Correia


    Não se ouve mais, a alegre passarada
    Com seu cantar festejando a aurora
    Ah! Me lembro deles, em revoada
    Povoando o céu com sua voz canora

    A sinfonia enchia a madrugada
    Mas já passou; é coisa de outrora
    Não se vê mais um passarinho, nada!
    Triste silencio é o que impera agora.

    Seu habitat natural, a floresta,
    Foi pelas mãos do homem, devastado
    Hoje é um deserto, nada resta.

    Assim, os pássaros não cantam mais
    E à extinção estão condenados
    Sobrevivendo apenas os pardais





    A riqueza Essencial
    João Bosco Pereira Alves
    Patrono: Vinícius de Morais


    Não é o toque dos lábios
    Que dá vida
    Ao beijo.
    É o quanto
    Você é capaz de
    Atingir o coração
    Pra cumprir
    Esse desejo.

    Não é a saudade da infância
    Que dá sentido
    Ao que ficou.
    É o quanto
    Essa lembrança
    É capaz de modificar
    A essência
    Do que você
    Se tornou.

    Não é o belo discurso
    Que incentiva
    As palmas.
    É a profundidade
    Com que as palavras
    Podem atingir
    A alma.

    Não são as flores
    Que tornam
    Belo o jardim.
    Mas o caminho
    Das raízes
    Transformando
    Terra em vida
    Nenhum trabalho
    Sem fim.

    Não é o coração
    Que o coração acalma
    Mas o quanto
    Se coloca
    À disposição de Deus
    Da própria alma.

  9. (Publicado na Revista Suindara nº 10 - 2008)

    Portrait da AVL na esteira do tempo
    Antônia Izanira Lopes de Carvalho
    Patrono: José Martiniano de Alencar

    Eis o tempo presente, quando o ontem se veste de futuro e em sua passagem e mudanças delineou um retrato de uma Instituição, nascida, talvez, de um sonho absurdo. E qual seria essa utopia? Levar a literatura a uma comunidade com o destino traçado de se tornar o pólo cultural e universitário de uma região. Banhada pelo Rio Doce, ornada por uma ilha de inúmeros matizes e uma elevação montanhosa que guarda ainda os registros do botocudo, sinalizador de sua bravura no alto da serra. Valadares tinha outras ambições, tão nobres quanto as lutas desempenhadas pelos dominadores do passado: a liberdade como flanco maior de suas realizações. E como marco maior o incentivo de ser livre, com a bandeira da educação. Educação e livros. Assim se molda uma sociedade fadada à verdadeira cidadania.
    Nasceu, portanto, a Academia de um desejo muito claro para seus fundadores: a disseminação da leitura como porta-voz de uma comunidade voltada para um belo futuro, em que as gerações aprendessem com a experiência dos escritores, como a luta e a sensibilidade dos poetas e prosadores fossem captadas não apenas como evasão própria de romancistas, mas também como um compromisso com a justiça social, a ética, o aprimoramento de um ser moldado para a bondade primeira.
    Claro está que no início, a idéia de se abrigar uma Academia voltada para as letras não foi bem compreendida por todos. Mas contávamos com o temo e a tradição da cidade voltada para a evolução e aprimoramentos humanos. E a luta não foi em vão. Contudo, embora hoje, tenhamos o fruto sadio desse sonho, devemos nos lembrar dos obstáculos que tivemos de superar. Dentre tantos, a ausência de uma sede que pudéssemos rotular como refugio da cultura e das letras, onde elas pudessem repousar suas ideias. Muitas administrações passaram nesses trinta e três anos de existência e como sempre, livro, educação, sempre tiveram seus créditos minorados por um sistema de visava outros interesses e em que o poder gerenciasse as forças.
    Mas calados e persistentes seguimos na trilha escolhida como norte de nossas aspirações. Por vezes desanimados, por vezes cansados, entretanto, sem deixarmos de lado o sonho primeiro: disseminar o livro, abrigar o sentimento, multiplicar a razão e o referencial sobre o mundo tão necessitado da paz e da justiça defendidas pelos escritores de todo os tempos. Alem disso, devemos acrescentar que temos hoje a sede, por sermos a única instituição reconhecida como de utilidade publica com poder para requisitar junto a outros órgãos governamentais um lugar para os livros da Biblioteca Publica, a fim de que eles decentemente tivessem abrigo.
    E aí está a Academia Valadarense de Letras sendo útil à comunidade em que se inseriu. Provamos com o tempo que nossa eternidade encontra-se no dever de ampliar o leque cultural, apoiar aqueles que desejam se aprimorar na busca de um mundo mais humano e fraterno, trazendo como instrumento a palavra e como código sagrado o livro.
    Discípulos somos de outras figuras que se prostraram no passado como guardiões da sabedoria: os antigos acadêmicos, os velhos gregos que nos incentivaram com seu pensamento e seu mundo de idéias. Sócrates, Aristóteles, Platão e suas obras imorredouras. Mais tarde, o lirismo de um Francisco de Assis na Idade Média, e de padre José de Anchieta nos bravos sertões de um Brasil recém-nascido.
    Hoje trilhamos a esteira de Alencar, de Machado, dos árcades, simbolistas e denunciadores que tanto germinam no Modernismo de Trinta e que deixaram seu exemplo para que outras academias abram mais portas para receber os adeptos desejosos de um universo feliz, por ser gerenciado por sentimentos nobres e que guardam nos corações a esperança de que os verdadeiros valores não se apaguem como poeira de estrelas.

  10. (Publicado na Revista Suindara nº 10 - 2008)


    O Novo Rei Artur
    Waldir Carlos Pereira
    Patrono: José Cândido de Carvalho

    Acima das águas revoltas do Mar de Collibe, um pedaço encantado da sombria Inglaterra, vivia o lendário Rei Artur. Do seu castelo Camelot, via descortinar ao longe o mar, semelhante a uma mancha azul entornada na face da terra. Esse castelo, com suas ameias, barbacã e fosso, seus postigos e alçapões ferrados, já não existe mais. Os cento e cinqüenta fiéis cavaleiros da Távola Redonda também evolaram-se em lendas.
    Os homens se repetem nos homens, no século XVIII, Alexandre, o grande, reapareceu em Napoleão. E agora, muitos séculos depois, o lendário Rei Arthur da Távola Redonda ressurge em Artur da Távola, o notável apresentador de televisão e político brasileiro.
    Mesmo despido na medieval armadura, o lutador é o mesmo. Sua Távola, cuja forma, redonda, simbolizava a democracia, continua redonda. Nela prevalece a igualdade. O que mudou no poderoso rei foi a arma. Antes de empreender essa longa viagem pelos séculos, o mágico Merlin voltou com ele ao misterioso lago Avalon e fé-lo devolver a espada Excalibur àquela mão misteriosa de quem a recebera.
    Sua arma agora é a palavra. Com ela trava os embates. Os golpes não são mais perfurantes ou contundentes. São sonoros ou gráficos. O novo Rei Artur é incomparável no manejo dessa arma. Nele, a palavra é fácil e cintilante. A frase é harmoniosa, magnífica, escorreita. Em seu discurso, as figuras se multiplicam e criam novas cores enriquecendo ainda mais o significado. A voz, cheia e forte, ora se ergue num ímpeto, ora desce acompanhando a ondulação do período, fazendo vibrar a quem o assiste ou lê. A gesticulação, estudada e precisa, complementa a palavra. Por trás dos óculos, os grandes olhos fixos faíscam como os de um felino selvagem que se sentisse ameaçado. Isto tudo sem contar a eloqüência incomparável das mãos, com uma harmonia, um ritmo, uma agilidade sem igual.
    Agora não mais agravos a reparar ou justiça a ser ministrada. Os enfrentamentos têm por escopo ativar a sensibilidade, iluminar os espíritos, principalmente aqueles banidos de oportunidades. Seu deslocamento é mágico e sua simpática figura multiplica-se em milhões. Nada o detém. Está em toda parte. Consigo traz sempre a luz que ilumina, a fé que converte, a paz que alegra, a esperança que anima e a felicidade que ajuda viver.
    Este é o novo Rei Artur.

  11. KD o professor?

    sexta-feira, 2 de setembro de 2011

    Antônia Izanira Lopes de Carvalho


    Não é surpresa para quem acompanha os meios de comunicação, a chamada que vem sendo veiculada para que o jovem se engaje na carreira do professor. Existe até aquele da TV, em que de maneira inteligente, leva o povo a acreditar que o maior responsável pelo desenvolvimento de um país é o mestre. Para mim não é surpresa, visto que sempre acreditei nisso e por isso eu o fui por quarenta anos e ainda sinto saudades da sala de aula.
    Contudo, o problema da situação do professor não é tão fácil assim. Há uma desvalorização crescente em todos os sentidos, quando se trata dessa profissão, base de formação para todos que desejam seguir outra carreira, pois não há nem haverá base para outras sem que qualquer candidato a profissional passe primeiro pela dedicação de um mestre. Lembro-me de que certa vez, ao fazer uma palestra para os rotarianos, um amigo ali presente, Dr. Altair de Carvalho, confessou--se surpreso pelo orgulho ao me confessar ser professor, afirmando que na atualidade havia certo acanhamento por parte deles de se confessarem como tal.
    Se por razões diversas, o Brasil se vir numa contingência em que os professores venham a desertar completamente, aí sim, haverá um clamor social sobre essa figura extraordinária e mal valorizada do mestre. Pode-se atestar que esse é o caminho, ao se verificar o número de candidatos que surgem no vestibular para a carreira do magistério. Para meu desgosto, soube que um curso, um dos mais bonitos na formação cognitiva e afetiva do educando não teve o número de alunos para preenchimento de uma turma. Lastimável porque o curso de Letras fornece meios cognitivos e afetivos que conduzem o individuo a uma cidadania plena.
    O entrosamento enriquecedor exercido pelo professor e aluno, ao que parece, vem se perdendo, para a tristeza de quem assistiu a outros comportamentos. Em tempos passados, o respeito dada figura do professor era de outra dimensão. Hoje, um dos maiores problemas que esse profissional sofre é a falta de respeito, de disciplina que impera nas salas de aulas, chegando-se ao exagero de alguns pedirem proteção por sua integridade física.
    Todos, sem exceção, tiveram em sua vida um professor que foi marcante para sua personalidade, fosse pelo alto grau de conhecimento, fosse pelo carisma e liderança com que eles se impunham. O fato é que nesta semana, precisamente na quarta feira, a Folha de São Paulo mencionou o problema, nostrando-o como um dos futuros problemas do Brasil. Surpresa para quem? Acredito que para ninguém, pois se há necessidade de vida decente, de livros como apoiamento, de cursos de extensão para as atualizações, o docente necessita de salário digno. E que salário tem o professor? Indecente, esta é a palavra de ordem que cobre de vergonha aqueles que deveriam valorizar a base maior da nossa educação.
    Claro está que o jovem irá em busca de status e de muito dinheiro, de respeitabilidade no seio social. A humanização, o desfazer dos nós da vida, desfeitos pelo professor idealista não importa a quem não tem o ideal de dedicar a um país para retirá-lo das trevas da ignorância. Mas, ainda se pode contar com o ideal dos que pensam diferentemente e ainda amam o contato amistoso, estreitador de laços para sempre, somente fornecido pelo professor amigo.

  12. A INJUSTIÇA SOCIAL, PELA ÒTICA DE ALUÍSIO DE AZEVEDO

    quinta-feira, 18 de agosto de 2011

    Publicado no quadro Política/Opinião do Jornal Diário do Rio Doce em 17 de agosto de 2011.


    Niza Diniz - Patrono: Aluísio de Azevedo

    Quando o Brasil vivia a efervescência da Campanha Abolicionista, em 1890, o notável escritor, Aluísio de Azevedo lança um dos maiores clássicos da literatura brasileira: o romance naturalista, O Cortiço.
    O autor trazia da infância o trauma de ser filho de pais amancebados, motivo pelo qual sofria rejeição na escola; cresceu ouvindo comentários maliciosos sobre seus pais, pela tradicional sociedade maranhense.
    Tornou-se crítico impiedoso da sociedade brasileira e de suas s instituições como o clero, a burguesia e a monarquia; aborda em suas obras temas em defesa das classes humildes e marginalizadas, usando de vigorosa análise social, baseando-se na observação fiel da realidade.
    Na elaboração deste romance, Aluisio visitou várias habitações coletivas, sentiu-lhes o cheiro, interrogou lavadeiras, viu-lhes a promiscuidade, a sujeira, a podridão. Influenciado por Taine, o autor defende que o destino do indivíduo é determinado pelo ambiente, momento e pela raça. Também a influência de Darwin se enfatiza neste romance, segundo a qual o homem sendo um animal, deixa-se levar pelos instintos naturais, não podendo ser reprimido em suas manifestações como o erotismo, a violência, o ódio. Reduzindo as criaturas a animais movidos pela fome e pelo instinto, usa expressões como: “Ela era a cobra traiçoeira” ou, “sacudia as ancas”, se referindo à mulher.
    A obra, de recorte sociológico, conta a história envolvente e sombria de uma população de proletariados da sociedade carioca, do século XIX, o dia a dia de um cortiço.
    Ampla galeria de tipos humanos desfila pelas páginas do romance: lavadeiras, mascates, prostitutas e operários. ”Como larvas no esterco... é assim que vivem os personagens do cortiço, um quadro de miséria a que eram submetidos o negro e o mulato explorados pelo ambicioso português João Romão, que chegou ao Brasil com a intenção de ficar rico, como procedia a maioria dos europeus daquela época. O romance conta na realidade o nascimento, a vida e a morte de um cortiço. Ele é o grande personagem: “Às cinco horas o cortiço acordava, abrindo não os olhos, mas a infinidade de portas e janelas”. Eram vários quartos de aluguel, sendo que a latrina ficava do lado de fora, bem como a bica de lavar rosto.
    O português João Romão compra uma vendinha e se amiga com uma escrava foragida, que trabalha feito burro de carga para agradá-lo. João Romão falsifica uma Carta de Alforria e com as economias do trabalho da escrava puxa umas casinhas nos fundos da venda e assim, nasce O Cortiço, seu filão de ouro. Seu objetivo é alcançado: fica rico, explorando os brasileiros.
    Depois da riqueza, almeja a ascensão social; pretende se casar com a filha de um aristrocata. Agora enfrenta um problema: como se livrar da negra e fétida Bertoleza? Traiçoeiramente a denuncia a seus legítimos donos, que buscam capturá-la, mas não conseguem. A negra aterrada com a presença dos guardas, usa a faca que escamava os peixes e rasga o próprio ventre.
    A obra de Aluisio Azevedo, está a serviço do argumento de que a miséria torna o homem um verdadeiro animal. E faz refletir que no Brasil atual, ainda existem questões pertinentes com a mesma desigualdade social denunciada pelo autor.

  13. Ruth Soares - Patrono: Tomás Antonio Gonzaga

    Não foi um movimento de elite endividada, que tentava se livrar do erário português. Foi um movimento de convicções políticas, quando os colonizados fizeram oscilar o equilíbrio do colonizador. O povo de Minas Gerais, sempre insubmisso, mantinha os governantes da capitania em alerta. A insatisfação corroia a paz desta região aurífera, onde a maioria da população acalentava o sonho de liberdade.
    Foi aí, nesse pedaço de chão, rico em ouro e diamantes que nasceu o movimento libertário denominado Inconfidência Mineira. A metrópole tudo fez para anular o sonho dos mineiros; criou a capitania de São Paulo e Minas do Ouro, retirando a jurisdição do Rio de Janeiro com a intenção de garantir a arrecadação dos impostos aos mineiros. Devido a essa cobrança exagerada, muitas revoltas aconteceram nas montanhas de Minas Gerais: em 1718 aconteceu a Revolta de Pitangui contra a cobrança em atraso das oitavas de ouro, Minas Gerais deveria repassar à coroa portuguesa 25 arrobas de ouro, o que equivaleria a 375 kg anuais. Em 1720, aconteceu em Vila Rica, uma rebelião chefiada por Felipe dos Santos (um reinol) contra o estabelecimento das Casas de Fundição, além do excesso de impostos cobrados sobre alimentos e instrumentos necessários para a mineração. Essa revolta de Felipe dos Santos foi tão séria, que levou a coroa a repensar a divisão do território brasileiro, desmembrando a capitania das Minas Gerais da de São Paulo, criando a capitania Real de Minas Gerais. Em 1736 surgem novas rebeliões como as Sedições de São Francisco, contra o sistema de captação de impostos. Em 1761, aconteceu a “Inconfidência de Curvelo”, protesto contra a expulsão dos jesuítas, a mando do Marquês de Pombal e do rei D. José I.
    Para a historiadora Maria Efigênia Lage Rezende a Inconfidência Mineira já estava em curso desde 1786, elaborada na mente e no coração de estudantes brasileiros, que cursavam as Universidades européias: José Joaquim da Maia estudante de medicina na França, escreveu a Thomas Jefferson, embaixador dos E.U.A. no país, solicitando apoio à causa da independência brasileira. Além dele, outro estudante brasileiro que também lutou pelos ideais de uma nação livre, foi José Álvares Maciel, filho do capitão-mor de Vila Rica que incutiu em Tiradentes e seus companheiros os ideais liberais. Em 1788 as minas de ouro estavam exauridas. Em Portugal, morre o rei D. José I e sobe ao trono D. Maria I, que substituiu o ministro Marquês de Pombal por D. Martinho de Melo e Castro, que considerava o não pagamento das 100 arrobas de ouro como sonegação de impostos por parte dos mineiros. Mais severo que Pombal no cumprimento das leis, Dom Martinho mandou fechar as fábricas de manufaturas em território nacional, para que o comércio desses produtos beneficiasse os comerciantes portugueses que viviam em Portugal.
    Melo e Castro recomendou ao Visconde de Barbacena que completasse 100 arrobas de ouro para o pagamento dos impostos; caso não se completasse, proceder-se ia à derrama. Alguns impostos cobrados naquele período desapareceram de nosso código legal, mas podemos encontrá-los em países europeus sede de monarquias. Contrato de entradas; direito de passagem; contrato de dízimo; imposto sobre produção em geral; subsídios voluntários (10 anos para reconstruir Lisboa) subsídio literário; terças partes dos ofícios (arrecadados sobre vendas de cargos públicos); imposto sobre carne verde; sobre cada litro de vinho; taxas de correios; contribuição do Tejuco. Indignado com essa carga abusiva de impostos, Tomás Antônio Gonzaga,manifestou sua revolta através das cartas chilenas, denunciando o quadro de penúria do povo, a opressão fiscal, as arbitrariedades, a corrupção e as promoções injustas existentes na capitania.
    Foi nesse ambiente corrupto e opressivo que nasceu e cresceu o sonho de liberdade dos Inconfidentes. O ouro fez nascer povoações como o Arraial Novo, Arraial Velho do Rio das Mortes, Vilas de São José Del Rei, atual Tiradentes, e São João Del Rei. Nessa região, à direita do Rio das Mortes, ficava o sítio de Pombal onde nasceu Joaquim José da Silva Xavier. Era o 4º filho de Domingos da Silva Santos e Antonia Encarnação Xavier de uma prole de sete filhos; seu padrinho foi Sebastião Ferreira Leitão. Dois de seus irmãos se tornaram padres, um seguiu a carreira militar. Joaquim José possuía cultura maior que a média da população da época, redigia bem e tinha boa caligrafia. Gostava de estudar e com a ajuda de seu padrinho, tornou-se hábil dentista prático; conhecia a flora e a fauna brasileira e com curandeiros aprendeu medicina alternativa. Tinha espírito aventureiro, foi tropeiro por nove anos, desbravando os sertões de Minas Gerais e Bahia, viu a miséria do povo, visualizou as riquezas brasileiras que eram levadas para fora do Brasil. Decidiu abraçar a carreira militar incorporando-se à companhia de Dragões de Vila Rica. Foi confirmado no posto de Alferes, vinculado à 6ª Cia sob o comando do capitão Baltazar João Mayrink, pai de Maria Dorotéia Joaquina de Seixas imortalizada por Tomás Antônio Gonzaga, como Marília de Dirceu.
    Tiradentes era branco, simpático e agradável. Não era figura banal nem desagradável. Como não tivemos acesso a nenhuma foto ou pintura que o retratasse, sua imagem no século XIX foi idealizada à semelhança da imagem de Jesus Cristo e assim difundida pela República. O herói da Inconfidência Mineira não se casou, uniu-se a uma jovem com idade provável entre 16 e 17 anos: Antonia Maria do Espírito Santo. Com ela teve uma filha a quem batizaram com o nome de Joaquina; foi seu padrinho Domingos Abreu Vieira, também um inconfidente. Tinha uma situação financeira equilibrada, seu salário era de 142 $350 réis e, além disso, ainda tinha vencimentos auferidos no exercício da odontologia prática, e da medicina alternativa. Recebeu também, uma pequena herança. Quando foi preso, todos os seus bens foram confiscados pela coroa portuguesa.
    Além do conhecimento de medicina e odontologia possuía conhecimentos de engenharia. No Rio de Janeiro fez um projeto para captação de águas do córrego do Catete e do rio Andaraí para edificação de moinhos e abastecimentos de água na cidade. Este projeto ficou arquivado na Câmara do Rio de Janeiro e sequer foi analisado pelas autoridades da época; não mereceu nenhum despacho, até a vinda do Príncipe Dom João VI, que se encarregou de mandar executá-lo. Nesse contexto, vale lembrar as bravas figuras do padre Rolim e padre Toledo, inconfidentes que comandaram pelo menos 200 homens armados durante a revolução.
    Tiradentes morreu por sonhar com uma nação livre, um país grandioso, soberano, administrado por seu povo, dono de suas riquezas. Em razão desse sonho foi perseguido, preso e condenado. Seu corpo foi esquartejado e exibido pelas montanhas mineiras onde os pedaços foram expostos nos locais em que ele pregou a liberdade.
    Hoje, 200 anos depois, os sonhos de Tiradentes continuam a ser sonhos.

    Dados Bibliográficos:
    GONÇALVES, Adelton. Gonzaga, Um poeta do Iluminismo – Nova Fronteira.
    SOUZA, Miguel Augusto Gonçalves. Revista da AML – 1981 Vol: XXVIII e XXIX.
    RESENDE, Maria Efigênia Lage, Inconfidência Mineira – 3ª edição. 1986 – Global Editora – História Popular. São Paulo.
    SANT´ANNA, Sonia. Inconfidências Mineiras – Uma História Privada da Inconfidência. Editora Jorge Zahar
    LOPES, Paulo Guilherme M. O processo de Tiradentes. Conjur Editorial – Ricardo Tosto – Apresentação Aécio Neves. Pág. 5.


  14. Maria Stela de O. Gomes - Patrono: Guimarães Rosa

    Próximo ao Arraial de Santa Rita do Rio Abaixo, em uma fazenda no distrito de Pombal, nasceu Tiradentes em 1746, mas precisamente aos doze de novembro. Seus pais eram proprietários rurais e ele era o quarto dos sete filhos do casal. Não teve o afeto e a segurança dos pais que morreram, deixando nosso herói e seus irmãos aos cuidados de padrinhos e conhecidos. Sua sorte marcadamente dramática o penalizou com a pobreza, pois os bens deixados pelos genitores foram arrematados para sanar dívidas familiares.
    Cresceu solitário, embora idealista e sonhador. Ao se tornar órfão ficou sob a tutela de um padrinho que era cirurgião. Dentre as inúmeras profissões que exerceu foi a de dentista que lhe valeu o apelido de Tiradentes. Ainda jovem alistou-se na carreira militar como alferes, e por isso, e devido ao seu sacrifício, em prol da liberdade, tornou-se o patrono dos militares. Devido ao seu gênio e ao seu envolvimento com a Inconfidência Mineira, a vida de Tiradentes ganhou sentido ao lutar contra o poder constituído, indo de encontro aos opressores do Brasil que cobravam injustamente impostos para a metrópole, em prejuízo dos brasileiros cada vez mais esquecidos e mais miseráveis, nos rincões deste país.
    Várias lendas cercam o mito deste homem, envolvendo-o numa área de mistério em que casos e mais casos tentam retirar alguns resquícios de sua vida pessoal para o estudo na atualidade. Segundo narrativas populares nosso herói destacava-se pelos traços fortes, grande estatura e voz vibrante e carismática. Audacioso, impulsivo, expressava seu sentimento de revolta sem reservas, sendo identificado como um dos mais “perigosos”, segundo os autos da devassa, fato que o teria levado à morte por enforcamento a mando de D. Maria Primeira.
    Sua obstinação e sua coragem tornaram-se conhecidas por meio da lenda do Embuçado. De acordo com seus narradores, os inconfidentes e Tiradentes foram avisados, certa noite, da traição de Joaquim Silvério dos Reis, por um sujeito encapuzado, numa veste preta que teria avisado às futuras vítimas o que lhes aguardava. Tiradentes foi um dos que rechaçou a ideia de fuga.
    Jamais se casara. Contudo, sua vida pessoal estaria ligada a alguns amores, não expostos, publicamente. Teve, com Antonia Maria do Espírito Santo, uma filha que recebeu na pia batismal, o nome de Joaquina da Silva Xavier. Os dois morreram pobres, devido à ação da Coroa Portuguesa.
    Ainda se pode citar, mesmo sem documentação comprobatória, um casal de filhos que ele tivera com Eugênia Joaquina da Silva.
    A filha morreu prematuramente, e o filho, João de Almeida Beltrão sobreviveu e para fugir à maldição lançada aos descendentes de Tiradentes, foi adotado por um comerciante. Deixou grande geração, tendo oito filhos.
    Em arquivo público encontra-se o processo de Antônia Maria que afirma ser filha legítima de José Joaquim e sua única descendente direta, fato comprovado através de documentos. Em tal processo ela solicita a posse de um escravo que teria sido dado a ela por Tiradentes, embora este tenha sido confiscado após a morte do Alferes.
    Outros fatos que ligam Tiradentes aos seus descendentes é a história de um de seus netos que trocou o seu sobrenome Silva Xavier para Zica, a fim de escapar da perseguição da Coroa.
    Na atualidade, alguns de seus descendentes exigem pensão especial do INSS, como sua tetra neta, Lucia de Oliveira Menezes, membro da quinta geração que recebe uma pensão mensal de R$ 200,00 (duzentos reais). O aparecimento dos tetra netos de Tiradentes suscitou grande curiosidade por parte da Imprensa e da população, de maneira geral. Pode-se afirmar que um homem não morre quando tem um ideal, ficando seu exemplo na história e no tempo.
    Para ilustrara sua história,o fragmento do livro, Romanceiro da Inconfidência,de Cecília Meireles sobre o grande herói da Inconfidência Mineira:


    Do caminho da Forca

    “Os militares, o clero,
    Os meirinhos, os fidalgos
    Que o conheciam das ruas,
    Das igrejas e do teatro,
    Das lojas dos mercadores
    E até da sala do Paço;
    E as donas mais as donzelas
    Que nunca o tinham mirado,
    Os meninos e os ciganos,
    As mulatas e os escravos,
    Os cirurgiões e algebristas,
    Leprosos e encarangados,
    E aqueles que foram doentes
    E que ele havia curado
    -agora estão vendo ao longe,
    De longe escutando o passo
    Do Alferes que vai à forca,
    Levando ao peito o baraço,
    Levando ao pensamento
    Caras, palavras e fatos:
    As promessas, as mentiras,
    Línguas vis, amigos falsos
    Coronéis, contrabandistas,
    Ermitões e potentados,
    Estalagens, vozes, sombras,
    Adeuses, rios, cavalos...”

  15. Antônia Izanira Lopes de Carvalho - Patrono: José Martiniano de Alencar


    Ao surgirem como nova geração, os escritores da Década de Trinta foram considerados como o grupo de ouro da Literatura Brasileira. Todos, sem exceção, revitalizaram a cultura, dando ao leitor a opção de conhecer a denúncia sobre o estado de coisas existentes no País, no governo ditatorial de Getúlio Vargas. Suas obras constituem-se ainda como retratos de um Brasil esquecido, com o Nordeste e sua miséria pela constância da seca. Rachel de Queiroz pertence ao grupo desses privilegiados mensageiros. A fim de se entender melhor sua obra, três aspectos devem ser considerados, por serem fundamentais para o estudioso dessa autora cearense. A tese a ser estabelecida é a de que Rachel de Queiroz registra a vida, a mulher e sua coragem, além de documentar a terra e suas raízes.
    A primeira obra publicada data de 1930. É “O Quinze”, a mais lida e comentada de sua vasta bibliografia. Obra telúrica, aborda a terra das caatingas. Mostra o desafio do homem que luta contra os efeitos da estiagem nordestina. Ai é registrada a pobreza de Chico Bento e seus filhos fugindo do sol, bem como Vicente, socialmente colocado acima da fome, figura quase mítica, que desafia a adversidade, enfrentando a natureza castigada pelo sol. O telúrico, o amor às raízes do Nordeste são tão fortes que há simbiose perfeita entre homens, vegetação e os animais. A humanização dos inanimados é tangível: “o próprio leito das lagoas vidrara-se em torrões e lama ressequida, cortada, aqui e além por alguma pacavira defunta que retorcia as folhas empapeladas.” (p.20)
    Também os animais se humanizam: “E apontava para uma vaca pintada de preto e branca que, magra e quieta à beira da estrada, parecia esperar a família fugitiva para uma derradeira despedida. (...) Rendeira fitou em todos os seus grandes olhos dolorosos, donde escorria uma lista clara sobre o focinho escuro, como um caminho de lágrimas.” O crudelismo se expressa na animalização de homens que disputam carne podre com os urubus: “Realmente, a vaca já fedia, por causa da doença. (...) era uma festa para os urubus vê-la lá de cima, lá da frieza mesquinha das nuvens...’’ (p. 36)
    O segundo momento do livro é a luta urbana com Conceição, a professora que nasceu para ser mãe e que adota Duquinha como se dela fosse. Prima e amada de Vicente dele se separa pela racionalidade encontrada nos livros franceses. “O Quinze” refere-se à seca de 1915 que historicamente foi registrada como uma das maiores do Ceará: milhares de retirantes refugiavam-se num campo em Fortaleza, fugindo da fome e da seca. Multidões cansadas assemelhavam-se a ocupantes de um campo de concentração. Havia corrupção e só se salvava quem tivesse um dedo político indicador: “... a perversidade de uma seca entregara aos azares da estrada e à promiscuidade miserável dum abarracamento de flagelados. ”( p. 95)
    A segunda grande marca da obra de Rachel de Queiroz é a mulher. Ela se encontra em todos os seus livros. São de todos os matizes, mas se caracterizam pela fortaleza; são guerreiras, voluntariosas, desafiando a região e a época machista em que viviam. Numa sociedade em que só havia três caminhos para a mulher: casamento, convento ou prostituição, elas foram capazes de feitos que desafiassem o homem pela coragem e inteligência. Seus nomes são simbólicos, guardando sua personalidade. Pode-se afirmar que cada uma traz uma parcela da escritora. São o alter ego de Rachel que ousou em seu tempo ser comunista, enfrentar a prisão. Separou-se numa época em que moças de família não se separavam. Ela o fez e ainda foi morar com o grande amor de sua vida: para escândalo da tradicional sociedade cearense. Quem sabe não é a memória ancestral que ditou suas criações? Afinal, uma de suas tetravós foi a revolucionária, Bárbara de Alencar, que lutou em prol da República tendo sido presa e torturada, ao defender seus ideais de liberdade e igualdade.
    “A mulher forte de Rachel encontra-se na militante comunista Noemi em “Caminho de Pedras” O seu vago amor por todos os homens, os sujos e limpos, brancos e pretos, a velhinha agarrada no cacete, o menino triste que não podia entrar no cinema, coisas que sempre escondera, como sentimentalismo pueril... Seus ansiosos desejos de adolescente, a que o casamento decepcionara, cortara as asas” (p.46) É a Doralina de “Dora, Doralina”, metaforicamente sublinhada como a mulher que teve a sina da dor ao se ver traída pela mãe e que de menina tímida e insegura foi capaz de varar meio Brasil pelo amor do seu Capitão. Também a encontramos no livro de “As três Marias,” principalmente em Maria Augusta que desafiou a sociedade ao perder a virgindade e se vê como mãe solteira. Para finalizar sua galeria feminina, há a personagem Maria Moura: a que sabia amar e matar. Moura lembra, etimologicamente, a variável do significado provindo da Península Ibérica: Moura de Mourão, aquele que sustenta, que trabalha, que assegura fortaleza às partes mais fracas. E assim é Maria Moura, lutando o amando em seu “cubico”. A mulher de Rachel é a Santa em João Miguel, contraditória diante da desgraça; é a Filó que sustenta com seu prato de comida o prisioneiro miserável; é Angélica capaz de sair de seu mundo aristocrático pelo amor ao pai.
    A temática assim visualizada nessas três vertentes leva-nos a encontrar outro veio que merece estudo: o estilo de Rachel. Como todo realista, ela ama a concisão e não abandona seus vocábulos regionalistas. A linguagem é afetiva, comprovando-se pela quantidade de diminutivos. A preferência pelo gerúndio é uma herança do francês, idioma que dominava perfeitamente. Além disso, os diálogos são vivos, a adjetivação é precisa e há trechos expressionistas, ricos em cores e traços. Seu romance apresenta-se narrado em terceira ou primeira pessoa, este último muito observado na obra de Maria Moura, rico em digressões e ações internas.
    Rachel de Queiroz, a cearense dividida entre o sítio “Não me deixes” e Niterói, cidade que viu crescer e que lhe deu inspiração para escrever “Galo de Ouro”, morreu dormindo em sua rede, e se encantou, na viagem derradeira em busca das raízes de seu mundo imaginário, onde o amor, a liberdade e a dignidade fizeram nascer uma nova mulher. O Ceará dos Verdes Mares ganhou uma nova jandaia que canta na eternidade de seus livros.

    Dados bibliográficos:

    QUEIROZ, Rachel de. O Quinze. 62 ed. Rio de janeiro: Siciliano, 1993.
    QUEIROZ, Rachel de. Caminhos de Pedra. 55 ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1937.
    QUEIROZ, Rachel de. As Três Marias. Rio de Janeiro: José Olympio, 1939.
    QUEIROZ, Rachel de. Memorial de Maria Moura. 2 ed. São Paulo: Rio de Janeiro: Siciliano, 1992.
    QUEIROZ, Rachel de. Dora, Doralina. Rio de Janeiro: José Olympio, 1975.
    QUEIROZ, Rachel de. João Miguel. 5 ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1969.
    CHEVALIER, Jean e Alain Gheerbrant. Dicionário de Símbolos. 3 ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1990.


  16. Niza Diniz – Patrono: Aluisio de Azevedo

    “Pois quem tem ouro, tem tudo, o ouro compra o que o ouro valer(...) Eu tinha que ter o ouro para ter poder.” Maria Moura.


    A genial escritora Rachel de Queiroz, com o romance épico, Memorial de Maria Moura, volta ao século XIX para abordar, mais uma vez, a questão feminina no Brasil, particularmente no Nordeste.
    Na primeira parte do livro, a saga ocorre no sertão, num solo coberto de caatingas. É uma história escrita com sangue. A protagonista obstinada, assassina o padastro que a assediava; para isso seduz um cabra, prometendo-lhe casamento, mandando assassiná-lo, como queima de arquivo. Como herdeiros das terras há três primos: Marinalva, sua amiga, que se casa com um circense, Irineu e Tonho, seus antagonistas, porque eles disputam o sítio do Limoeiro com ela. Frente à injustiça dos que queriam tomar sua terra, Maria Moura contrata capanga para a sua defesa. Incendeia a casa do Limoeiro e foge com um bando de homens; o gesto de incendiar o sítio expressa a idéia de rompimento com uma vida privada e doméstica da personagem, que parte para uma vida livre das amarras em que se encontrava, tal como as sinhazinhas de seu tempo que viviam à espera de um casamento, passando do domínio do pai ao marido.
    Naquela época, homens e mulheres desempenhavam papeis distintos. Ao homem, pleno poder; à mulher, o papel restrito de procriar. Á mulher, não era dado o direito do prazer, do erotismo. Maria Moura resolve contrariar os costumes da época. Repudia o modelo patriarcal e assume o papel de força e poder.
    Na segunda parte do livro, Maria Moura, com seu grupo, permanece no sertão e não admite ser governada por homem. Duarte, irmão bastardo de seus primos, torna-se seu amante, quando ela deseja o prazer sexual. Torna-se famosa pela bravura e pela coragem. Dissimulada, estrategista, ao convidar um homem para a cama, substituía a surrada veste masculina por macia e cheirosa camisola, depois de demorado banho. O poder é seu objetivo.
    Na terceira parte do livro ela chega à Lagoa do Socorro onde encontra um casal de escravos fugidos. Faz dali um reduto improvisado. Com o passar do tempo, Moura se torna uma mulher cada vez mais dura, sendo forte o suficiente para valer a sua vontade, apesar da sociedade machista em que vivia. Passa a viver num ambiente hostil e tem que se mostrar forte para dominar o fraco, matar para não morrer.
    Na quarta parte do livro, com o que arrecadou, o bando sai em busca de um lugar seguro para construir o império de Maria Moura. Na Serra dos Padres, ergue a Casa-Forte, uma mistura de casa, cadeia e banco, verdadeira fortaleza. É nesse lugar seguro que se concretiza o ápice de um poder soberano para a época e para a região. Nessa casa, Maria Moura dá guarida aos fora-da-lei, guarda seus tesouros, terras bastantes para o gado seleto e os cavalos de raça; grande fartura como jamais imaginara: coalhada, rapadura, mandioca, carne de sol, farinha de toda qualidade, além da jeribita. Na construção da Casa-Forte havia um compartimento mantido em segredo: o “cúbico”, que se destinava a esconder fugitivos caros, sob a sua tutela O ex-padre José-Maria, que recebeu o nome de Beato Romano, se junta ao bando, fugitivo por um crime que cometera, por matar o marido da sua amante, Isabel; o padre havia engravidado a mulher e ao descobrir a traição, o marido mata a esposa e o bebê de seis meses de gestação. O sacerdote, diante de tamanha crueldade, quebra-lhe um banco na cabeça, matando-o. Este adultério da mulher casada e o crime do padre tiveram tal repercussão, que a cabeça do sacerdote é colocada a prêmio e ele busca refúgio na Casa-Forte de Maria Moura. O adultério feminino no Nordeste era imperdoável, teria que ser lavado com sangue.
    Em seus momentos de divagação, Moura sentia a falta de um macho a quem ela chamasse de seu, mas não admite, em hipótese alguma, ser governada por um homem.
    Quando tudo parece correr bem, surge mais um homiziado na Casa-Forte: Cirino, um rapaz louro, bonito e atraente, conquistador, filho de um fazendeiro próximo, por quem Maria cai de amores: ”Ah, bons tempos. Antes que aquele Satanás de cabelo louro tivesse chegado pra me atentar.”.
    ‘Quando Moura percebe seus sentimentos, torna-se confusa, pois apesar de amá-lo loucamente, teria que matá-lo, segundo as leis do cangaço, pois ele entregara um fugitivo sob a sua tutela. Ela teria que lavar sua honra. ”Como acabar com Cirino sem acabar também comigo?”Mas Maria Moura dizia para si mesma: ”Você é a rainha desta terra aqui, tem Casa-Forte e senhoria, riqueza...“E você quer agora se acabar também por paixão pelo meninote de má fé?”Com o coração partido, manda executar o amor da sua vida. Cirino, antes de ser assassinado com uma facada certeira no coração, foi submetido à prisão por longos dias no “cubico” da Casa-Forte, onde se exercitavam sexualmente, com ódio e amor. “Foi um amor desesperado, furioso, que doía e machucava; amor de dois inimigos se mordendo e se ferindo, como se quisessem que aquilo acabasse em morte.” Muito abalada após a morte do seu amado, Moura parte com o seu bando para uma das mais sangrentas batalhas que já enfrentara, mesmo sendo alertada de que não deveria ir. Sabia que o destino seria a morte: ela já estava morta por dentro.
    A autora deixa em suspense o final do romance, mas tudo leva a crer que foi uma batalha suicida, contando com todos do bando, inclusive com o Beato Romano, que se ofereceu para confortar os possíveis moribundos. Antes de partir para esse último confronto, Maria Moura deixa o testamento de todos os seus bens para o afilhado Xandô, filho de sua prima, Marinalva.
    Quando Maria Moura se apaixona por Cirino, há uma oscilação entre o seu lado forte, o modelo masculino a que se propôs seguir, que deu certo, sendo vitoriosa nas batalhas. No entanto, no plano afetivo, Maria Moura chora e lamenta a morte do amado.
    Moura deixa às mulheres um testamento, rompendo com qualquer continuísmo de submissão destinado a elas. A protagonista imprimiu com bravura este memorial dedicado a todas aquelas que queiram ser senhoras de seus destinos.



    Dados Bibliográficos: QUEIROZ, Rachel de. Memorial de Maria Moura. Edição 15. Editora Jose Olympio, 2004.

  17. João Bosco Pereira Alves – Patrono: Vinícius de Moraes
    Especialista em Leitura e Produção de Texto pela PUC MG


    Agradeço aos servidores da Biblioteca Pública Municipal pelo apoio à minha pesquisa.
    Fui agraciado com o empréstimo do Livro Dôra, Doralina, edição, de 1975; ano em que o romance de Rachel de Queiroz foi publicado. Nesse momento ele se encontra lá, esperando uma mão ansiosa por desvendar-lhe os mistérios.
    O ambiente inicial do romance é a fazenda Soledade, onde a protagonista mora, localizada no município de Aroeiras – nome fictício - no interior do Ceará.
    O Livro de Senhora, o Livro da Companhia e o Livro do Comandante formam a tríade de Maria das Dores. A vida como um círculo. Dôra, assim preferia que a chamassem, sai de Soledade e vai para Fortaleza, de lá vai para o Rio de Janeiro e volta, por fim, à fazenda onde tudo começou.
    Dora era hospede de sua própria casa, em Soledade, a vida lhe marcava pela dor. Uma mãe dominadora, a perda precoce do pai, a indiferença dentro da própria casa vinda de quem mais deveria amá-la: sua mãe. Havia propensa rivalidade entre mãe e filha. Esta querendo talvez, a força da mãe e aquela, por sua vez, querendo a juventude da filha, que afinal de contas, seria a futura dona de tudo.
    Logo no inicio do livro se percebe grande amargura. A protagonista conta a própria história mostrando sua fragilidade e dependência – era a época de Senhora, uma mulher que dá uma volta em torno de si mesma. Uma personagem redonda, rica mas que mostra um lado de todos nós: o de voltar onde tudo começou num eterno ciclo. É tudo natural, como os insetos que partem, morrem e dão lugar a novos insetos, assim também é com gente porém um pouco mais complicado para as pessoas do que para os insetos mas tudo é uma simples questão de ponto de vista. Esse é o de Dôra.
    A mulher inicialmente frágil se liberta, mas a paixão lhe amarra. O Comandante de um navio é também o comandante de Dora, ainda que por escolha dela. Seria o amor?
    Um casamento por conveniência de três. Laurindo queria as terras da Senhora – mãe, a que mandava. Dôra era nova. Boa opção ter as duas. Senhora continuaria viúva – um bom título para a ocasião e que não lhe tirava a liberdade.
    Casar-se com Laurindo não foi uma alternativa sustentável para Dôra, um filho natimorto em um casamento por conveniência. Não era amor, era necessidade. Mas o amor não é uma necessidade?
    Uma Companhia de Teatro é a sua salvação. Seu porto, cheio de ondas, mas seguro. Decepcionada não há muito o que perder. Agora busca um amor, é atriz, sabe que é uma mulher com seus valores pessoais e desejos. Não abre mão de sua essência de mulher e do seu direito de aprender a vida, ainda que o passado esteja guardado em algum lugar doído do peito.
    Por que uma mulher larga a profissão a qual se entrega apaixonadamente? Por que teve coragem de largar o primeiro marido e não se submeter à sua irresponsabilidade e, agora, se entrega a um homem machista e de comportamento duvidoso e vai morar em um subúrbio do Rio de Janeiro? Porque a entrega consentida não é uma entrega é um apanhado. Porque quem por conveniência se cala, muito fala.
    Dôra não perde sua identidade, o que a vida lhe negou ela buscou de forma apaixonada e apaixonante num amor que lhe correspondia à altura.
    Na última parte do livro Dôra se vê sem o marido ao qual viveu momentos de entrega e paixão. Retoma suas raízes reconstruindo Soledade, mas agora ocupando a posição que outrora a mãe ocupava e que ambicionava sem se dar conta.
    A obra transita num tempo de decadência espacial. Uma sociedade patriarcal onde o dono da terra é o dono do poder, o dono da família, enfim o dono da mulher. Tanto Senhora, na primeira parte do livro, quanto Dôra, na última, acabam por copiar o modelo de domínio em questão.
    Dôra é uma personagem redonda, sofre mudanças profundas no decorrer da história, mas não termina plana onde tudo começou? Aquela já não seria ela desde o início?
    O espaço é redondo, transformado pela decadência rural em função da industrialização. Dôra, por conseguinte, é uma personagem encantadora, marcada pela dor e pelos gestos calculados. O livro deixa mais perguntas que respostas. A vida também não é assim?

    Bibliografia:
    QUEIROZ, Rachel de. Dôra, Doralina. 1ª. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1975
    COQUEIRO, Wilma dos Santos. A Decadência Espacial no Romance “Dôra, Doralina”. Universidade Estadual de Londrina

  18. Maria Bernadete de A. Brito - Patrono: Gregório de Matos Guerra

    O Quinze de Rachel de Queiroz provocou enorme impacto nos anos trinta e atravessou o tempo como referência obrigatória na história da nossa literatura. Foi o marco em que a autora, nos seus vinte anos já se equiparava a escritores de peso como José Américo de Almeida, Graciliano Ramos, José Lins do Rego e Jorge Amado.
    Foi a única mulher a fazer parte da geração de trinta, com o romance regional, de repercussão nacional e circulação universal. O Quinze foi o seu romance de estreia, publicado em Fortaleza, em 1930, e causou tremenda repercussão, pois se tratava de um livro escrito por uma mulher, produzindo agitação e até certa desconfiança nos espíritos da época.
    O título se refere à maior seca de 1915, vivida pela escritora em sua infância. Divide-se em dois planos que apresentam respectivamente, o vaqueiro Chico Bento e sua família e a relação afetiva de Vicente, rude proprietário e criador de gado com sua prima Conceição, culta e professora, leitora de vários livros de tendências feministas e socialistas, o que causa estranheza a sua avó, representante das velhas tradições, com quem ela passava férias, na fazenda da família, no Logradouro, perto do Quixadá. Com 22 anos, não pensava em casar, mas sempre se sentia atraída pelo primo Vicente, homem rude e até mesmo selvagem, dono de muitas reses.
    Com o advento da seca, a família de Dona Inácia decide ir para a cidade. Conceição trabalha agora no campo de concentração onde ficavam alojados os retirantes e percebe a diferença de vida entre ela e seu primo e a quase impossibilidade de comunicação. A seca chega ao fim e eles voltam para o Logradouro.
    A parte mais importante do livro apresenta a marcha trágica do vaqueiro Chico Bento com a mulher e cinco filhos. É forçado a abandonar a fazenda onde trabalhava, com o intuito de sobreviver no Norte, extraindo borracha. No percurso, Josias, o filho mais novo, morre envenenado por mandioca crua e fica enterrado ali mesmo, na estrada, o que causa profunda dor à família. Outra cena trágica é o abate de uma cabra cujo dono aparece chamando Chico Bento de ladrão. Toma-lhe o animal, dando-lhe apenas as tripas para saciar a fome. Mais adiante Chico Bento dá falta do filho mais velho, Pedro, mas chegando ao Aracape, toma conhecimento da fuga do garoto com comboieiros de cachaça. Ao chegarem ao campo de concentração, são reconhecidos por Conceição, que emprega Chico Bento, adotando um de seus filhos, e lhe concede as passagens de trem para S. Paulo.
    A obra é vista agora de uma perspectiva que harmoniza o social e o psicológico sem perder o foco de entrada para temas políticos da maior importância na época, entre eles o da afirmação social da mulher no caso, Conceição, naquele contexto difícil e adverso. Sob este aspecto a protagonista em última instância investiga e interroga o seu destino, e a verdade é que, visto a partir dele, o drama social dos flagelados parece diluir-se no pano de fundo da paisagem calcinada que a linguagem da escritora recupera sob um ângulo lírico e alusivo, e até mesmo corrosivo.
    O Quinze é um romance orgânico, apresenta características modernistas e neo-realistas, uma vez que se enquadra nas normas vigentes da geração de 30 a 45, cuja atenção se volta para o Nordeste. É ficção em prosa regionalista, obra de caráter social, apresentando a saga dos flagelados cearenses representantes da desastrosa seca de 1915. Os personagens que compõem o cenário são: Chico Bento e sua família, Conceição, Vicente, Mãe Nácia, os quais respondem pela sociedade do Logradouro e do Quixadá, interior do Ceará, com suas crenças, costumes e tradições.
    O caráter telúrico deste livro explora as tradições do Ceará como as cantigas próprias do vaqueiro na condução do gado, as rezas da benzedeiras e outros aspectos folclóricos.
    A temática regionalista evidencia a seca cearense, tão vil e voraz, esterilizando o homem e a terra, regidos pelos fenômenos meteorológicos, tornando-os impotentes, numa terra desolada e árida, como: “as árvores apresentam-se negras e agressivas, tudo isso dentro de um silêncio fino do ar que é sempre o mesmo, além da morna correnteza que levanta e passa silenciosa como um sopro de morte na região tão seca [...]” (p.65-66).
    É este livro uma obra de denúncia social, fato comprovado por vários episódios e pela descrição do espaço. O caso das passagens concedidas aos retirantes pelo governo confirma o caráter realista da obra. Eles deixam o Ceará e saem em busca de oportunidades em outras regiões em desenvolvimento, no caso, São Paulo e o Amazonas. Chico Bento se revolta com a atitude do governo, fingindo ajudar os pobres, o que não era verdade porque não os ajudava “nem a morrer...” (p.33). É o fato que motivava os retirantes a saírem do Logradouro ou do Quixadá até a capital Fortaleza, em busca de sobrevivência.
    A grande personagem merecedora de atenção neste romance é a Seca, a verdadeira protagonista, responsável pela peripécia de O Quinze. Basta observar a cena descrita no episódio da novilha acometida de mal dos chifres e aproveitada como alimento pelos retirantes: “a faca escorrendo sangue, as mãos tintas de vermelho, um fartum sangrento envolvendo-o todo...”(p.42-43) Nesta passagem Rachel de Queiroz apresenta os retirantes animalizados, disputando, em condição de igualdade, a carniça com os urubus para saciar a maior de todas as misérias provocadas por ela, a fome. Surge então a figura de Chico Bento com impressionante generosidade ao dividir os alimentos que ainda lhe restavam, salvando os conterrâneos de comerem um animal já em estado de putrefação. Atitude típica do sertanejo nordestino, que mesmo diante do flagelo acode o próximo, num gesto sublime.
    Cordulina, antes gorda e agora tão magra! Diante dos olhos do marido, esquelética, sem forças, tísica! As crianças que antes brigavam, corriam, agora, mal respiram lentamente. Mas o interessante é que, mesmo diante da miséria que os consome, Chico ainda demonstra atitude de compaixão, heroísmo e responsabilidade com a família.
    A segunda parte do livro enfatiza o romance de Vicente com Conceição. A autora recorre a metáforas e personificações ao tecer comparações de Vicente com elementos da natureza. É descrito como uma bela paisagem, exibindo beleza e cor, mas sem poder compartilhar profundidades literárias ou filosóficas com a prima enamorada. Acredita que a diferença cultural entre os dois é forte o bastante, capaz de destruir o sentimento que sentem um pelo outro. A autora, de forma implícita, mostra o preconceito da sociedade urbana em relação à cultura do homem rural, por meio do julgamento etnocêntrico de Conceição em condenar a sua felicidade porque o seu nível cultural é “superior” ao do rapaz campesino, apesar de ser bom, rico, viril, comprometido com os seus, e “inferior”, não economicamente, mas desprovido do conhecimento teórico, científico e literário. Isto Vicente não possuía, o que para a normalista neutralizava todas as demais virtudes do pretendente. Assim a moça idealiza o seu relacionamento com o primo no plano da sensibilidade e do imaginário, sem carícias nem beijos, e tal romance inicia-se e finaliza por uma impressão. Conceição admite a condição submissa da mulher. Supõe-se que a autora chame a atenção para qual seria o papel da mulher diante desta nova sociedade brasileira. Propositadamente coloca Conceição e Vicente em igual condição por não abrir mão da terra e Conceição por privilegiar a sua liberdade. Deduz-se então que ela foi criada pela autora com o propósito de quebrar paradigmas até então possíveis só ao homem. Órfã, criada pela avó e estudada na capital; trabalha, adota filho do retirante, dispensa companhia ao andar pela cidade, enfrenta as mazelas do campo de concentração em nome da solidariedade, e, ao invés de sofrer preconceito, julga e descarta Vicente por não ser compatível com seu nível intelectual.
    Quanto ao estilo, a autora se vale da linguagem impessoal, introspectiva, livre de adornos lingüísticos exagerados, seca como o espaço geográfico e próximo da linguagem oral do Ceará. Utiliza-se de períodos curtos, do ponto de interrogação, facilitando a reflexão do leitor. O diálogo é reticenciado para melhor percepção do não dito pela escritora. Utiliza o recurso da pontuação, marcando a continuidade e delimitando a fala dos interlocutores com o travessão e exclamações. As aliterações e assonâncias são bastante expressivas, registrando os elementos fonéticos, simbólicos, morfossintáticos, regionalistas e lexicais que identificam a variedade linguística regional.
    Rachel não abre mão do veio fecundo da matéria oral folclórica brasileira na ficção. É a oralidade que fornece tecido ao texto, numa prosa viva, comovente, tecendo o seu relato em duas linhas de força: a marcha do retirante e sua família, sonhando chegar ao Amazonas e a história da mocinha que lê romances e teóricos franceses, além de sonhar com um belo moço rude.
    Nesse cenário inclemente e num quadro social deplorável, que iguala homens e bichos, sobreviver até a redenção da chuva é uma questão de sorte. Em síntese, a temática deste romance tem caráter documental e sociológico e abrange os problemas condicionados pela seca de forma global, os quais são e continuam atuais, possibilitando várias análises.

    Dados Bibliográficos: QUEIROZ, Rachel de. O Quinze. 86. Ed. José Olympio, 2009.

  19. Maria Cinira Santos Netto – Patrono: Euclides da Cunha



    “Os que têm razão para chorar diante de seus sofrimentos são os que não choram nunca!”

    O Ceará é conhecido indefinidamente pelo brilho do sol que ilumina vales, praias, serras e caatingas. Banhando com seu brilho o nordeste. O ar envolve-se de sons, a jandaia espalha seu canto e sua alegria na saudação ao astro rei que surge no horizonte do sertão.
    Os primeiros habitantes cearenses foram os índios Jês e Tupis avistados por navegadores espanhóis antes de Pedro Álvares Cabral aportar no mar da Bahia.A fusão dos índios com libaneses, sírios e mais tarde franceses formou a maioria da população cearense.
    No inicio do século XIX a província passou por vários movimentos rebeldes de cunho republicano, dentre eles, o que deu origem à Republica do Crato, liderados pela família dos “Alencar”, berço do escritor José Martiniano de Alencar.
    O Ceará sempre esteve na vanguarda dos acontecimentos nacionais. Antes da assinatura da Lei Áurea em 1889, já havia abolido a escravidão, no final desse século. Viveu num distrito do Crato um religioso com fama de milagreiro, que teve sua ordenação suspensa por agir em discordância com os princípios teológicos da Igreja Católica. Era muito amado pelos nordestinos e alguns lhe atribuem milagres, não comprovados pela Igreja . Evidenciava grande habilidade com cangaceiros e coronéis, evitando conflitos sangrentos tornando-se por isso, um líder político.
    No dia 17 de novembro de 1910, nasceu em Fortaleza Maria Rachel de Moura Queiroz. Filha de Clotilde Franklin e Dr. Daniel Queiroz, magistrado e fazendeiro, originário de Quixadá, cidade localizada na região das caatingas, amada pela pequena Rachel como se fosse o seu berço natal. Era herdeira pelo lado materno da família Alencar, de convicções republicanas. Sua origem pelo lado paterno provém da família Queiroz, clã também de convicções republicanas.
    Em 1915, a família de Rachel, embarcou para o Rio de Janeiro, fugindo de grande seca logo depois, transferiu-se para Belém do Pará, onde viveram por dois anos, retornando novamente à terra natal, lá nos sertões de Quixadá.
    Nessa época, Dr. Daniel deixa a magistratura e se dedica à sua propriedade rural: Fazenda do Junco, rebatizada por Rachel por “Fazenda não me deixes”. Era lá, em um bosque, dentro da propriedade, que Rachel buscava inspiração para seus folguedos e seus futuros relatos.
    Alfabetizada pelos pais, só com onze anos de idade conheceu a escola. Escola religiosa e particular, educação rígida, voltada para as letras e as artes, fato que lhe deu subsídio para denúncias sociais em seus romances. Relatava o que via e vivia, colocando no papel todo sentimento de sua alma sertaneja.
    No Rio, Rachel não se sentia feliz vivendo num apartamento, ressentia-se da ausência do sol de Quixadá que iluminava algum ponto do Nordeste.
    Aos vinte anos, com sérios problemas de saúde, suspeita de tuberculose foi obrigada a um repouso solitário e para se livrar de crises depressivas nas modorrentas tardes vazias da fazenda, começou a redigir seu primeiro livro “O Quinze” no qual relata o sofrimento e a vida dos que vivem no sertão assolado pela seca. Essa vivência que presenciou ainda menina fê-la acreditar mais tarde, que os que têm razão para chorar diante de seu sofrimento, são os que não choram nunca.
    Para publicar seu primeiro livro, contou com a ajuda financeira do pai. A obra foi lançada e alcançou grande sucesso nos meios intelectuais do Ceará. Surpresa, com a aceitação da obra, envia um dos exemplares para apreciação dos escritores: Augusto Frederico Schimth e Mário de Andrade que ficam encantados com a narrativa da jovem.Elogiada pelo feito torna-se, uma personalidade literária.
    Nascia assim uma escritora regionalista da segunda fase do Modernismo Brasileiro de estilo sóbrio, simples e elegante; como os outros escritores nordestinos dessa época seus romances são documentários denunciantes da situação social do meio em que viviam os nordestinos assolados,pela seca e nos romances e crônicas urbanas a marginalização dos que viviam na miséria.
    Aos vinte e um anos, recebeu no Rio de Janeiro, o premio da Fundação Graça Aranha. É por esse tempo, que se torna uma militante do Partido comunista, introduzindo-o no Ceará. Fichada pela polícia política como agitadora, passou a ser vigiada. Conclui seu segundo romance, João Miguel, no qual faz denúncias sociais e para sua surpresa, toma conhecimento de que o livro só será publicado após sofrer censura dos intelectuais comunistas. Irritada, rompe com o partido sem, entretanto, perder suas convicções socialistas.
    Em 1932, contrai núpcias com José Auto da Cruz Oliveira, união que durou pouco tempo. Após separar-se, Rachel muda-se para São Paulo, período em que os governantes suprimiram a liberdade de expressão e o povo brasileiro vivia inseguro e infeliz, asfixiada, porque havia perdido a noção de ser livre..
    Em Salvador, seus livros são queimados em praça pública pela polícia política, por serem considerados subversivos.
    Por esse tempo, aconteceu sua separação e Rachel passou a viver maritalmente com o médico Oyama de Macedo. Torna-se duplamente discriminada: pela separação do marido e pela vida de amásia que vive ao lado de Oyama, situação inaceitável pela sociedade puritana e repressiva da época.
    Lidou com a discriminação, enfrentou sua tristeza e saiu do episódio mais madura, continuando seu trabalho de esculpir idéias e desenhar pensamentos. Por ser somente uma normalista, provou que a genialidade não vem somente da carga genética nem é produzida só pela cultura acadêmica, mas é construída através da experiência em meio às dificuldades e aos desafios da vida.
    Durante o período em que viveu, embora discriminada, escreveu duas obras consideradas excelentes pela crítica: “Três Marias” e “Caminho das Pedras.” Logo depois, escreveu uma peça teatral “Lampião” encenado no Teatro Municipal do Rio de Janeiro. Em 1957 recebeu da Academia Brasileira de Letras o prêmio Machado de Assis. Dois anos depois, voltou a escrever uma nova peça para o teatro:” Maria do Egito.”
    Em 1960, quando o homem da vassoura, Jânio Quadros tornou-se presidente do Brasil, convidou-a para o cargo de Ministra da Educação. Recusou, porque apesar de ser escritora e falar com fluência dois idiomas, tinha pouco conhecimento pedagógico para lidar com a pasta da educação. Atitude inédita e louvável.
    Em 1969 estreou na literatura infanto-juvenil com o livro: “O menino mágico”. Logo após, editou Dôra, Doralina. Rachel sempre esteve à frente de seu tempo como seus antepassados. O tempo sempre comandou seu destino; o seu mundo caminha à frente de seu tempo. Assim foi a primeira mulher a vestir o fardão da ABL. Seus livros foram publicados em várias partes do mundo. A mocinha que um dia deixou o Ceará, afastando-se da seca devastadora, com sua pena venceu a discriminação social e conquistou o mundo.
    Em 1992, seu livro, “Memorial de Maria Moura” é editado e se transformou em mini-série da TV Globo.
    Em 1995 publicou seu livro de memórias “Tantos anos”.
    Rachel tinha alma sertaneja e era apegada à terra de onde podia apreciar o céu, o sol e as estrelas. Considerava-se uma pessoa telúrica. Era comandante de sua alma e senhora do seu destino. Por ser antirreligiosa, em algumas ocasiões sentia-se triste; tristeza que nascia da falta do ombro amigo de Deus, nas horas de solidão e amargura. Acreditava-se uma pessoa infeliz por não ter crença religiosa, a primeira das virtudes teológicas.
    Em quatro de novembro de 2003 veio a falecer. Nesse dia, viu o nascente pela última vez e nele, um sol magnífico, iluminando o caminho que seria percorrido por ela, em busca de uma estrela brilhante, que a guiaria em direção à felicidade eterna. O astro-rei exilou-se do Ceará deixando ir com Rachel parte de seu brilho.


    Bibliografia:
    TUFANO, Douglas. Estudo da Língua e Literatura.
    RODRIGUES, A. Nedina, CASTRO, Dácio A., TEIXEIRA, Ivan P. Antologia da Literatura Brasileira – Vol. II.
    COELHO, Nely Novaes. O ensino da Literatura.
    FERREIRA, Delson Gonçalves. Literatura. Pág. 353.
    CAMINHA, Edmilson. Rachel de Queiroz: a Senhora do Não me Deixes. Academia Brasileira de Letras. Rio de Janeiro. 2010.

Followers